Dispõe sobre as diretrizes aplicáveis no combate aos problemas relacionados à tríade “Febre Maculosa-Carrapato-Capivara”.
O Reitor da Universidade de São Paulo, usando de suas atribuições legais, nos termos do art 42, I, do Estatuto da Universidade de São Paulo, e, considerando:
– que a Febre Maculosa Brasileira é uma doença causada por microrganismos do gênero Rickettsia, sendo que a falta de conhecimento sobre o quadro clínico por parte da população e dos profissionais da saúde, especialmente nas áreas sem casos humanos prévios da doença, tem levado ao diagnóstico tardio ou ausência de diagnóstico, resultando na elevada letalidade associada à doença, ainda que sua incidência seja baixa;
– que a elevada letalidade da Febre Maculosa Brasileira relaciona-se com: diagnóstico e tratamento tardios; falta de opções terapêuticas ideais; fator de virulência do agente etiológico; espécie do carrapato vetor;
– a existência, em alguns campi da USP, de alta densidade de capivaras e carrapatos e o consequente risco de transmissão da febre maculosa, permitindo inúmeras possibilidades de experimentos sobre a questão, visando ao desenvolvimento de alternativas urgentes para o controle dos problemas associados a essa tríade – Febre Maculosa-Carrapato-Capivara;
– a demanda de treinamento visando à identificação do tipo de carrapato, em razão da existência de outras espécies de carrapatos que podem infestar humanos, mas que não possuem relação com capivaras ou com Febre Maculosa Brasileira;
– a necessidade de adoção de uma política pública objetiva, com o comprometimento dos órgãos gestores numa linha de ação conjunta, a fim de proporcionar o sucesso da política de manejo, recomendando-se, ainda, que as propostas de manejo de cada Unidade ou campus sejam submetidas à avaliação por um Comitê ou Comissão de Ética;
– os estudos e as conclusões resultantes do Workshop “Capivara-Carrapato-Febre Maculosa”, realizado pela Superintendência de Gestão Ambiental, e no intuito de auxiliar o combate à “doença do carrapato”, baixa a seguinte
P O R T A R I A:
CAPÍTULO I
DA AÇÃO EDUCATIVA DE PREVENÇÃO À FEBRE MACULOSA BRASILEIRA
SEÇÃO I
DAS DIRETRIZES
Artigo 1º – A ação educativa de prevenção à febre maculosa baseia-se na construção, desenvolvimento e monitoramento de programas de ações educativas continuadas, para prover a comunidade USP e local, especialmente em áreas de risco dos campi e do entorno, de informações sobre a Febre Maculosa Brasileira.
SEÇÃO II
DOS OBJETIVOS
Artigo 2º – São objetivos do programa de combate à Febre Maculosa Brasileira:
I. a promoção de atividades de clínica, verificação da suspeita, diagnóstico e tratamento precoce da Febre Maculosa Brasileira, em especial nas áreas de transmissão;
II. o desenvolvimento de ações educativas para a prevenção da Febre Maculosa Brasileira, especialmente nas áreas mais vulneráveis, classificadas de acordo com a intensidade do risco de ocorrência da doença nos níveis de alerta, risco ou transmissão;
III. o esclarecimento à comunidade USP e local sobre as causas e consequências da febre maculosa, bem como de sua relação com os carrapatos e hospedeiros primários, como as capivaras;
IV. o estímulo nas pessoas em situação de risco para:
a) o uso de medidas de proteção individual;
b) o monitoramento corporal constante;
c) a consulta com médicos do sistema de saúde; e
d) a procura por atendimento precoce.
V. a capacitação de profissionais de saúde para as atividades de clínica, verificação da suspeita, diagnóstico e tratamento precoce da Febre Maculosa Brasileira, em especial nas áreas de transmissão.
SEÇÃO III
DAS ETAPAS DO PROGRAMA DE AÇÕES EDUCATIVAS
Artigo 3º – São previstas as seguintes etapas do programa de ações educativas:
I. formação de agentes multiplicadores, em especial guarda universitária, servidores ligados à área de saúde, assessoria de comunicação e atendimento à comunidade, para agir diretamente junto aos usuários do campus e nas colônias de moradores;
II. formação continuada do público, por meio de realização de palestras, visitas monitoradas e análise de vídeos sobre a Febre Maculosa Brasileira, permitida a participação da Comissão de Treinamento e Desenvolvimento, do pessoal da saúde e segurança ocupacional e, quando necessário, de docentes, pesquisadores e órgãos competentes convidados (SUCEN), para o preparo e ministração de palestras sobre febre maculosa e assuntos correlatos;
III. criação de espaço com pessoal dedicado ao esclarecimento de dúvidas e registro de notificações de ocorrências da doença;
IV. criação e instalação de placas informativas para áreas de alerta, risco ou transmissão de febre maculosa;
V. elaboração e distribuição de materiais educativos aos diferentes públicos, especialmente em épocas anteriores ao maior risco de infestação de carrapatos;
VI. monitoramento e avaliação constante das ações; e
VII. transparência e atualização nas informações.
SEÇÃO IV
DO PROGRAMA DE AÇÕES EDUCATIVAS
Artigo 4º – Para a consecução dos objetivos no combate à Febre Maculosa Brasileira, podem ser adotadas as seguintes ações:
I. contratação temporária de estagiários e especialistas em períodos específicos de maior demanda de ações, respeitada a legislação aplicável;
II. contratação de empresa de criação e diagramação de materiais didáticos, respeitada a legislação aplicável; e
III. realização de palestras a diferentes setores da comunidade USP e a pessoas externas, sempre em linguagem adequada.
Artigo 5º – São indicadores para o monitoramento e a avaliação dos programas de ações educativas:
I. o número de participantes das atividades educativas;
II. os resultados de questionários aplicados à comunidade para aferição do nível de conhecimento sobre a Febre Maculosa Brasileira;
III. o número de pessoas que utilizam Equipamentos de Proteção Individual – EPI em locais de infestação;
IV. o número de relatos de parasitismo humano por carrapatos, assim como de ocorrências e suspeitas de casos da doença registrados no campus; e
V. a porcentagem de ocorrências verdadeiras notificadas.
CAPÍTULO II
DAS DIRETRIZES PARA PREVENÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO MÉDICO DA FEBRE MACULOSA BRASILEIRA
SEÇÃO I
DA PESQUISA
Artigo 6º – São diretrizes da pesquisa em Febre Maculosa Brasileira:
I. avaliação de novas opções terapêuticas;
II. avaliação de novas plataformas para diagnóstico laboratorial em sensibilidade, especificidade, agilidade e viabilidade, como:
a) ampliação do uso de PCR em tempo real, para fins de vigilância epidemiológica;
b) produção de testes rápidos para triagem diagnóstica; e
c) genotipagem e fenotipagem das espécies de Rickettsia;
III. pesquisa de novas estratégias de educação e comunicação em saúde; e
IV. pesquisa com novas estratégias para classificação de áreas quanto ao risco de parasitismo humano por carrapato e de transmissão do agente etiológico da doença.
Artigo 7º – O nível de letalidade da Febre Maculosa Brasileira deve ser diminuído por meio das seguintes medidas:
I. estruturação de redes de assistência em áreas de risco, alerta ou transmissão;
II. capacitação de profissionais da saúde em áreas de transmissão, por meio de educação continuada;
III. registro e disponibilização de doxiciclina para uso parenteral;
IV. prescrição de doxiciclina para uso pediátrico, independentemente da faixa etária;
V. adoção de ações de vigilância epidemiológica em áreas silenciosas;
VI. integração das ações com os sistemas de informação de vigilância epidemiológica e ambiental; e
VII. ampliação quantitativa e qualitativa das ações de educação em saúde.
CAPÍTULO III
DAS DIRETRIZES PARA O CONTROLE DO AGENTE ETIOLÓGICO E VETORES DA FEBRE MACULOSA BRASILEIRA
SEÇÃO I
DA PESQUISA
Artigo 8º – O controle do agente etiológico e vetores da Febre Maculosa Brasileira deve ser realizado por meio das seguintes ações:
I. fomento de pesquisas sobre produtos e formas de aplicação de carrapaticida para controle dos estágios na fase de vida livre e na fase parasitária, em especial na espécie animal capivara;
II. desenvolvimento de repelentes para carrapatos;
III. desenvolvimento de pesquisas sobre produtos carrapaticidas de baixa toxicidade e métodos de controle mecânico e biológico para uso no ambiente;
IV. definição de parâmetros e metodologia de avaliação de infestação ambiental;
V. investigação da circulação de organismos do gênero Rickettsia em outras espécies animais domésticos, silvestres e sinantrópicos (pequenos roedores e marsupiais, ou de acordo com o campus);
VI. investigação da competência e capacidade vetorial do Amblyomma dubitatum;
VII. investigação da imunologia e capacidade de reinfecção por Rickettsia em capivaras e cães.
SEÇÃO II
DA GESTÃO
Artigo 9º – O diagnóstico e monitoramento do agente etiológico e dos vetores da febre maculosa deve se basear nas seguintes medidas:
I. montagem ou adequação de estruturas para o diagnóstico e monitoramento das situações de risco;
II. realização de levantamento qualitativo e quantitativo acerca das espécies de carrapatos por microambiente, de acordo com o zoneamento prévio das áreas de cada campus;
III. diagnóstico e monitoramento, de forma contínua, das pessoas infestadas por carrapatos;
IV. estabelecimento de parâmetros de níveis de infestação – alto, médio e baixo – para cada espécie de carrapato em cada campus;
V. identificação de potenciais hospedeiros silvestres e domésticos de carrapatos, incluindo errantes;
VI. classificação dos campi quanto ao risco de infestação por carrapatos e da existência de espécies do gênero Rickettsia, por meio de monitoramento sorológico anual de animais (capivaras, cães e equinos);
VII. manutenção do monitoramento sazonal – anual ou bianual – nos casos negativos de sorologia;
VIII. monitoramento da população de carrapatos a cada três meses nos dois primeiros anos, com posterior reavaliação da periodicidade utilizada; e
IX. classificação das áreas do campus, conforme seu zoneamento, de acordo com:
a) o perfil do uso;
b) ocorrência ou circulação de animais e pessoas; e
c) taxa de infestação ambiental por carrapatos.
Parágrafo único – Nos casos positivos de sorologia, a área será considerada com nível de risco à ocorrência de Febre Maculosa Brasileira pelo período de cinco anos, dispensada a realização de sorologia nesse período.
SEÇÃO III
DA INTERVENÇÃO PARA CONTROLE DE CARRAPATOS E RICKETTSIA
Artigo 10 – O controle de carrapatos e Rickettsia deve ser realizado com base no:
I. controle tático, por meio de:
a) manejo de áreas verdes, com capina e roça rotineira, de maneira a manter o capim baixo;
b) recolhimento dos detritos e quaisquer materiais propícios à proliferação do carrapato;
c) recomendação aos setores operacionais para o uso de Equipamentos de Proteção Individual – EPIs, quando expostos às áreas de risco;
d) pulverização de carrapaticidas somente em áreas de grande infestação ambiental e de intensa circulação de pessoas; e uso de animais iscas (cavalos);
II. controle de longo prazo, por meio da diminuição ou restrição de acesso ao hospedeiro.
CAPÍTULO IV
DAS DIRETRIZES PARA MANEJO DAS CAPIVARAS
SEÇÃO I
DA PESQUISA
Artigo 11 – As diretrizes para pesquisas prioritárias são:
I. avaliação dos impactos sobre a fauna e o meio ambiente decorrente do cercamento de área de exclusão das capivaras, em ambos os lados da cerca e nas áreas adjacentes ao cercamento;
II. avaliação dos impactos do sistema de manejo sem uso do cercamento, por meio do controle da fertilidade das capivaras sobre a fauna, o meio ambiente e a densidade de carrapatos;
III. investigação de alternativas para o controle da fertilidade das capivaras, em especial a deferentectomia, ligadura de tubas uterinas, vacinas e produtos anticoncepcionais; e
IV. investigação do controle sustentável das populações de capivaras sob diferentes taxas de remoção, em áreas não endêmicas de Febre Maculosa Brasileira.
SEÇÃO II
DA GESTÃO
Artigo 12 – Para a gestão do manejo de capivaras, as ações sugeridas somente deverão ser aplicadas em áreas com ocorrência de capivaras e que apresentem alta densidade do carrapato vetor Amblyomma cajennense.
§ 1º – Define-se alta densidade de carrapatos quando um humano infesta-se ao caminhar pela área.
§ 2º – A avaliação da infestação humana deverá ser realizada por especialista em carrapatos, visando à identificação do tipo de carrapato e da presença de bactérias do gênero Rickettsia.
Artigo 13 – A implementação de quaisquer das ações de manejo dispostas nesta Portaria deverá ser precedida de justificativa respaldada por objetivos técnicos.
Artigo 14 – A política pública para a gestão do manejo de capivaras deverá ser definida de forma clara.
Artigo 15 – O manejo da vida silvestre deverá ser delineado em bases experimentais e hipóteses formuladas.
§ 1º – O manejo somente terá continuidade se precedido de teste de eficácia do tratamento utilizado.
§ 2º – Os resultados da decisão técnica e do tratamento apropriado devem ser avaliados quantitativamente e com rigor científico.
Artigo 16 – O trabalho de manejo de vida silvestre deverá ser autorizado pelo SISBIO (do ICMBio), ou outro órgão pertinente.
Parágrafo único – A autorização de que trata o caput é necessária, inclusive, nas ações em que os animais não são tocados, mas há restrições de seus movimentos e de acesso aos recursos do ambiente.
SEÇÃO III
DA DINÂMICA DAS AÇÕES NO ENFRENTAMENTO DA FEBRE MACULOSA BRASILEIRA
Artigo 17 – As áreas de alta densidade de carrapatos deverão ser separadas entre aquelas em que a febre maculosa é endêmica e não endêmica.
Artigo 18 – As ações para o monitoramento da Febre Maculosa Brasileira em áreas não endêmica devem prever:
I. monitoramento da população de capivaras;
II. controle dos carrapatos, conforme as recomendações da SUCEN;
III. controle da população de capivaras por esterilização; e
IV. realização de sorologia anual dos animais sentinelas capivara e cavalo.
Parágrafo único – Somente os cavalos que frequentarem a área utilizada por capivaras serão submetidos à sorologia.
Artigo 19 – As áreas de alta densidade de carrapatos em que a Febre Maculosa Brasileira é endêmica devem ser distinguidas em:
I. circunscritas por cerca; ou
II. abertas.
Parágrafo único – Considera-se circunscrita a área livre do acesso de capivaras.
Artigo 20 – As ações para o combate da Febre Maculosa Brasileira endêmica em áreas circunscritas devem prever:
I. o atendimento às normas dos órgãos competentes para o fechamento da área e para a manutenção adequada e efetiva da cerca, a fim de evitar o acesso de novos animais à área;
II. ações conjuntas de controle de carrapatos na área cercada e nas áreas adjacentes, após a retirada total das capivaras, pelo prazo mínimo de dois anos; e
III. o atendimento às recomendações da SUCEN para o controle dos carrapatos.
Artigo 21 – As ações para o combate da Febre Maculosa Brasileira endêmica em áreas abertas devem prever:
I. a restrição do acesso de capivaras às áreas de intenso uso humano;
II. a colocação de barreiras físicas somente em pequena escala, visando evitar o confinamento das capivaras ou a alteração de seu padrão de movimentação na área;
III. medidas para evitar que o problema da alta densidade de capivaras seja transferido para áreas adjacentes, provocado pelo deslocamento forçado dos animais;
IV. a realização de manutenção adequada da barreira física e de suas áreas adjacentes, sendo que, em tais áreas de exclusão, deverão ser realizadas, durante pelo menos um ano, ações conjuntas de controle de carrapatos, segundo as recomendações da SUCEN; e
V. monitoramento da população de capivaras, esterilização de capivaras adultas e realização de sorologia anual dos animais sentinelas capivara e cavalo.
Parágrafo único – Na hipótese em que o cercamento completo não for possível, devem ser colocadas barreiras físicas que restrinjam ao menos parcialmente o acesso das capivaras às áreas de intenso uso por humanos.
Artigo 22 – Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Reitoria da Universidade de São Paulo, 12 de dezembro de 2013.
JOÃO GRANDINO RODAS
Reitor